“Jovem, negro, selvagem e louco”. De mente inquieta e coração corajoso, todo dia lutamos por um espaço que não nos pertence, mas que é nosso. Contraditório. Não mais do que uma existência em ameaça simplesmente por ser o que é, por querer viver uma vida “louca e clássica”. Uma vida sua e de mais ninguém.

Uma tão difícil de se imaginar que é necessário um nome próprio para que ela exista. Afrofuturismo. É com ele e uma pitada de Isaac Asimov e Phillip K. Dick, que Janelle Monáe preenche o ar com eletricidade, gritando para todos que é negra, mulher, queer e não tem nem um pouco de vergonha disso. Assim como a cantora, “Dirty Computer” é uma experiência múltipla.

Com sua fotografia e seu cenário bem trabalhado, ela trás o aperto no coração do que é ser diferente em um mundo onde todos são “limpos” e iguais. Com sua música e suas letras sinceras e reais, ela grita por liberdade e junto, tenta representar de tudo um pouco. Do jovem negro do outro lado do mundo, da mulher trans com o seu segredo “Pynk”, da queer e biracial que não entende quem é em um mundo controlado por loucos.

Mostrando-se como tudo que Trump despreza, ela repete múltiplas vezes em seu álbum: “Eu não sou um pesadelo americano. Eu sou um sonho americano”. Resgatando aquela ideia de que a América é um paraíso, Janelle mistura sua voz a um discurso de Barack Obama sobre igualdade salarial e do – ainda – perigo de ser negro, além do misticismo e mundo fictício de Pantera Negra.

Ela, quase como uma Dora Milaje, expõe o que é ser uma mulher negra com a música “Django Jane”. Mostra como todas devem manter sua fachada de empoderamento, segurança e o clássico “We can do it”. Mas por outro lado, as críticas que vem com esse posicionamento. Como a “magia da garota negra” é constantemente confundida com “excesso de atitude”, de “querer agir como um homem”.

Levantando tudo isso nas entrelinhas, através de suas roupas, de gestos caricatos de homens, Janelle simplesmente diz: “Se o mundo vai te ferrar, vamos ferrar de volta”. A versão da cantora que nos é apresentada nessa produção perdeu tudo e agora, perde todas as suas memórias para um sistema totalitário que ela mal entende.

Uma sociedade que chama seus indivíduos de computadores, mas esquece que todos são “cor de rosa” por dentro. Fazendo um paralelo, uma sociedade repleta de racismo, machismo e tantos outros “ismos” e que insiste em se comunicar através da tela do computador. Que vive em um tipo de comunidade que controla seus pensamentos e formas de agir.

Mesmo com sua crítica direta aos americanos, Dirty Computer, assim como “Eletric Lady” e “Archandroid” – projetos anteriores de Janelle -, é uma carta a como vivemos e ao que estamos nos tornando. A tecnologia nos apresentada em cada parte de seu mini filme que pode ser lúdica e sem sentido, mas a mensagem deixada é tão forte quanto a sua voz.

No fim, com o olhar emblemático e sorriso reconfortante de Jane 57821, não há o que fazer além de dizer: Eu sou um Dirty Computer e não quero ser limpo.