Bem-vindo à Neo Yokio, a cidade mais decadente e rica do império capitalista. Um lugar em que o maior perigo não são os demônios que a rondam, mas as diversas marcas que estampam bolsas, roupas e carros. Uma cidade futurista que mostra que desertos sem esperança são apenas um dos possíveis cenários distópicos para a humanidade. Em que a maior preocupação de seus habitantes é quem está no topo da lista de solteirões.

Algo que, ironicamente, não é visto como uma situação ruim nesse universo criado pela Netflix. Romance e relacionamentos bem-sucedidos bombardeiam o público constantemente, seja de forma fictícia ou real, criando um exemplo do que não é possível ser construído. Mas em Neo Yokio, ser um casal não é tão importante quanto ser solteiro. E é isso que aprendemos ao conhecermos Kaz Kaan, que inicia sua história no segundo lugar da lista mais importante da sociedade de Neo Yokio.

A mesma que trata uma infestação de demônios e possessão como algo corriqueiro, que não se incomoda por colocar a pobreza entre muros e ignorar sua existência. Neo Yokio é o sonho da nossa atual sociedade, ou pelo menos da mente conturbada de Trump. É brilhante e atraente, tecnológica, mas simples e fina; com direito a casaco nos ombros, tons pastéis e Vivaldi em alto e bom som. Mas ao mesmo tempo, ela representa o que acontece quando o homem deixa de se importar com o próximo.

E esse sentimento aparece de diversas formas. Desde quando vemos Kaan entrar em sua auto-piedade de tal forma que constrói seu próprio túmulo e descansa sobre ele; até como uma mãe comenta da possessão de sua filha com um sorriso no rosto e a mão na testa: “Ah, a Helena? Ela está levitando em seu quarto agora”.

Esse niilismo, em que todos apenas continuam suas vidas sem se importar com o que há ao redor, é o que transforma um simples anime sobre um exorcista em uma crítica social repleta de mensagens nas entrelinhas. Por exemplo, por diversos momentos, os personagens falam sobre depressão, sociedade do espetáculo, feminismo e sobre a importância da individualidade, mas nunca sobre racismo.

Com um personagem como Kaan, que tem a voz de Jaden Smith e é negro em um desenho que “rouba” o estilo japonês, criado pela mesma produtora de Cara Gente Branca; chegar nessa discussão é praticamente esperado. Mas, Kaan não se sente ameaçado por ser negro em Neo Yokio, logo, ele não sente necessidade de sair de seu conforto social para “tretar”. Isso, por que lutas sociais não são individuais, mas coletivas e quando se está em Neo Yokio, ninguém está prestando atenção no próximo.

É como Angela que apenas passa a entender a sociedade narcisista em que vive após ser possuída e ver que a vida vai muito além de ser uma blogueira socialite. Por motivos como esse, Neo Yokio está longe de ser um anime convencional. São poucas cenas de luta, não existe explicações mirabolantes para os poderes de Kaan e não há uma construção narrativa para a existência de heróis e vilões.

Os demônios são apenas uma desculpa para falarem dos males da sociedade de um jeito original. A figura do exorcista e sua personalidade confusa é uma forma que Erza Coening encontrou de contar o que queria sem fazer o público se cansar com diálogos rápidos sobre solidão, medo e raiva.

Em resumo, Neo Yokio é para quem odeia as fórmulas dos animes famosos , que quer escutar as vozes de alguns grandes atores como Jaden, Jude Law, Tilda Swinton e Susan Sarandon em personagens sérios, mas bizarros. Mas, assim como a cidade de Neo Yokio não parece e nem é para todos, a história contada em seis episódios parece estar longe de se tornar um hit no streaming.