A vitória de Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) na cerimônia da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas Americana pode até ter surpreendido alguns, porém, mérito para isso não faltou, mesmo numa disputa com oponentes tão bons quanto. Suas nove indicações e quatro vitórias são mais que provas disso – O Grande Hotel Budapeste também teve nove indicações e quatro vitórias, gerando um “empate técnico”. A obra de humor ácido de Alejandro González Iñárritu, seja em questão de enredo, fotografia ou atuações, não deixa a desejar e merece ser lembrada como a obra-prima que de fato é.
E foi entrando nesse clima de Oscar que aproveitamos e nos inspiramos na obra vencedora da última noite para criar um Oito Fatias cujos filmes tem como forte as maravilhas da metalinguagem representada nas telonas. A melhor das figuras de linguagem tem filmes grandiosos e separamos oito deles para você conferir!
“Eu sou grande. Os filmes é que ficaram pequenos.”
O clássico noir Crepúsculo dos Deuses abre a nossa lista. A crítica que Billy Wilder faz à indústria do entretenimento é contada através de uma narrativa com ritmo perfeito, nem estupidamente rápido, nem demasiadamente lento. De forma dramática e, por vezes, sarcástica, o “modo de fazer” de Hollywood é questionado na história de Joe Gillis, um roteirista que procura abrigo na decadente mansão de Norma Desmond, uma estrela do cinema mudo. Joe é contratado por Norma quando ela descobre que ele é um roteirista e o encarrega de revisar o roteiro que marcará seu retorno às telas nessa nova fase do cinema. O roteiro, escrito por Salomé, é deveras mal escrito, porém, sem ter o que fazer e com um bom pagamento, Joe aceita, sem perceber que, no fim, o destino lhe traria algo desagradável.
A história do fim da Era de Ouro do cinema mudo hollywoodiano é dirigida por Billy Wilder, o mesmo diretor de Fedora, Quanto Mais Quente Melhor e Se Meu Apartamento Falasse. William Holden e Gloria Swanson dão vida aos protagonistas e suas atuações, principalmente a de Swanson, foram amplamente elogiadas pela crítica da época – e os elogios perduram até hoje. Crepúsculo dos Deuses acabou perdendo para A Malvada o Oscar de Melhor Filme, porém levou a melhor em Roteiro Original, Trilha Sonora Original e Direção de Arte em Preto-e-Branco.
“Se não se pode ter tudo, o nada é uma verdadeira perfeição.”
8 ½ também é um clássico, aliás, mais que obrigatório para qualquer cinéfilo de plantão. Esta obra de Federico Fellini está entre as mais lembradas dele, ao lado de A Doce Vida, E La Nave Va e Amarcord. Marcello Mastroianni dá vida ao protagonista, Guido Anselmi, que muito tem a ver com o próprio Fellini, já que a vida do diretor e seus sonhos foram bases para a criação do personagem e do longa-metragem.
O enredo parte da crise de criatividade de Guido Anselmi, que está prestes a rodar sua próxima obra, mas ainda não faz ideia de como será o filme. Além disso, ainda tem que enfrentar seu produtor, sua mulher, sua amante e seus amigos e, para piorar – se é que é possível – ele está mergulhado numa crise existencial. É então que Anselmi decide se internar numa estação de águas, uma espécie de spa termal, e passa a misturar passado e presente, ficção e realidade. 8 ½ retrata, de forma complexa, as dificuldades de se produzir um filme e conta com um final pouco convencional, mas extremamente real. Levou a estatueta de Melhor Filme Estrangeiro e de Melhor Figurino – Preto-e-Branco.
“Os reais querem vidas fictícias e os fictícios querem a vida real.”
Claro que não poderia faltar Woody Allen! Ele está representado aqui pela comédia A Rosa Púrpura do Cairo, que conta a história de Cecília, uma garçonete casada com um homem bêbado e desempregado durante a Grande Depressão, que só sabe ser grosseiro e violento. Eles moram numa área pobre de Nova Jersey e, para fugir de sua realidade amarga, ela passa o tempo assistindo filmes. Quando Cecília está assistindo “A Rosa Púrpura do Cairo” pela quinta vez, Tom Baxter, o herói do filme, surpreendentemente salta da tela – literalmente! – e se declara para a espectadora, oferecendo-lhe uma nova vida. Porém, isto acaba provocando um tumulto entre o elenco do filme, fazendo com que Gil Shepherd, o ator que vive o herói Tom, precise viajar de volta para tentar contornar a situação. Dessa forma, a garçonete se divide entre o ator e o personagem.
Woody Allen dispensa apresentações, com filmes como Vicky Cristina Barcelona, Meia-Noite em Paris e Blue Jasmine em seu currículo. Mia Farrow dá vida à protagonista e contracena ao lado de Jeff Daniels, que vive Tom Baxter/Gil Shepherd, neste longa que contrapõe de forma tão inteligente a ficção do cinema com a dura realidade da década de 1930. No entanto, esta homenagem ao cinema parece não ter agradado a Academia, que o indicou a Melhor Roteiro Original, mas acabou preferindo A Testemunha em seu lugar.
“Você é aquilo que você ama, não quem ama você.”
O diretor de Ela trouxe para nós, no início da década passada, a história de Charlie Kaufman, um roteirista que precisava de qualquer maneira adaptar para o cinema o livro de Susan Orlean, “The Orchid Thief” – O Ladrão de Orquídeas, numa tradução literal. A obra de Orlean contava a história de John Laroche, um fornecedor de plantas que clonava orquídeas raras para depois vendê-las a colecionadores. Charlie precisava lidar com as dificuldades naturais que surgem da adaptação de um livro em roteiro de filme, porém, além disso, ele ainda tinha que enfrentar sua baixa auto-estima, suas frustrações na vida sexual e seu irmão gêmeo Donald, que era um verdadeiro parasita e também sonhava em se tornar um roteirista.
Além de Adaptação. e Ela, Spike Jonze também dirigiu Estou Aqui e Onde Vivem os Monstros. Quem surpreende com a escolha de papel é Nicolas Cage, que interpreta o protagonista nesta comédia. Ele entrou substituindo Tom Hanks na produção. Ainda compõem o elenco Meryl Steep, Chris Cooper e Tilda Swinton. O filme detém a primeira indicação de uma pessoa fictícia ao Oscar, que teve Donald e Charlie Kaufman – Charlie é um homem real! – indicados a Melhor Roteiro Adaptado, mas perdeu para O Pianista. Nicolas Cage e Meryl Streep foram indicados a Melhor Ator e Melhor Atriz Coadjuvante, respectivamente, porém apenas Chris Cooper conseguiu vencer, na categoria Melhor Ator Coadjuvante.
“Foi isso que ela disse.”
O representante brasileiro dessa lista é um documentário. Pode até parecer impossível que um documentário possa entrar nesse tipo de lista, mas brincar com a metalinguagem em um documentário é algo que Eduardo Coutinho mostrou ser possível. Neste filme, o diretor ousa e extrapola os limites, colocando a longa discussão do que pode ser linguagem ficcional e o que é documental em xeque. Para produzir Jogo de Cena, Coutinho colocou um anúncio em um jornal, convidando mulheres a contar sua história de vida. Oitenta e três mulheres atenderam ao seu chamado e, em julho de 2006, vinte e três delas foram selecionadas e filmadas no Teatro Glaube Rocha, no Rio de Janeiro. Depois, em setembro do mesmo ano, algumas atrizes foram convidadas e, ao seu modo, interpretaram as histórias contadas pelas outras mulheres.
Além das mulheres que concordaram em participar do documentário e não são atrizes, temos a presença de Fernanda Torres, Marília Pêra e Andréa Beltrão representando – ou não – trechos das histórias. A linha entre ficção e realidade aqui é extremamente tênue e, por vezes, é impossível distinguir qual fala é de quem. Eduardo Coutinho inova não somente nesta obra, mas também em Cabra Marcado para Morrer, Edifício Master, Um Dia na Vida e diversos outros documentários, tornando-o um dos maiores documentaristas do mundo.
“ 🙂 ”
Esta comédia romântica, apesar de recente, é um filme mudo e em preto-e-branco. Isso mesmo, no estilo dos velhos tempos, e isso não o impede de ser um bom filme – aliás, esse é o charme dele. A história é a de George Valentin, um ator consagrado do cinema mudo da Hollywood de 1927. Extremamente vaidoso, tudo e todos parecem sorrir o tempo todo para ele, porém, a chegada dos filmes sonoros faz com que ele tenha receio de acabar mergulhado no esquecimento. Em contrapartida, Peppy Miller, uma jovem figurante por quem Valentim se sente atraído, é elevada ao firmamento das estrelas nessa nova fase do cinema. Teimoso, ele resolve bancar sozinho uma produção muda, mas a ausência de som afasta o público. A decadência do artista parece, então, inevitável e para sobreviver nesse novo mundo, ele precisa rever seus conceitos e fazer com que seu orgulho não o impeça de perceber que o tempo não para.
Digirido por Michel Hazanavicius – o mesmo de La Classe Américaine, Os Infiéis e The Search – O Artista teve dificuldade em encontrar pessoas que financiassem uma produção muda em preto-e-branco, mas Hazanavicius acabou conseguindo e, no fim, levou a melhor. O filme foi sucesso entre os críticos e ganhou uma enorme quantidade de prêmios. No Oscar, foi indicado para Melhor Atriz Coadjuvante, Melhor Roteiro Original, Melhor Edição, Melhor Direção de Arte e Melhor Fotografia, conseguindo vencer em Melhor Figurino, Melhor Trilha Sonora, Melhor Ator, Melhor Diretor e o tão desejado prêmio de Melhor Filme. Jean Dujardin e Bérénice Bejo interpretam George Valentin e Peppy Miller, respectivamente.
“Este é o lugar onde os sonhos são feitos.”
A Invenção de Hugo Cabret faz uma homenagem ao cinema também, mas diferentemente dos demais filmes listados aqui, ele usa e abusa da nova tecnologia em voga em Hollywood, o 3D. Sim, uma combinação que jamais pensávamos ver, Scorsese e 3D. E ele o utiliza de maneira espetacular: aqui, a terceira dimensão não serve meramente para destacar os personagens do fundo ou atirar balas na plateia, mas sim, como uma nova linguagem. O plano sequência iniciado nos céus de Paris e que segue pela Torre Eiffel até chegar à estação de trem onde está Hugo passa a real impressão de imersão na França da década de 1930. Quer mais? Até a poeira é tridimensional e flutua em frente ao espectador! Tudo isso para contar com capricho a história de Hugo, um órfão de 12 anos que vive escondido nessa estação. Seu pai, um relojoeiro que trabalhava em um museu, morreu momentos depois de mostrar a Hugo a sua última descoberta, um autômato, sentado numa escrivaninha, com uma caneta na mão, aguardando para escrever uma importante mensagem. O problema é que o menino não consegue ligar o autômato, nem resolver o enigma. Em meio a esse mistério, nos deparamos com uma homenagem de encher os olhos a Georges Méliès, cineasta dos primórdios do cinema, responsável por filmes como Viagem à Lua.
Os papéis principais ficam por conta de Asa Butterfield, Chloë Moretz e Ben Kingsley. Martin Scorsese, que também dirigiu O Lobo de Wall Street, O Aviador e Touro Indomável, foi aclamado pela crítica pela produção e, como O Artista (ambos concorreram no mesmo ano), ganhou inúmeros prêmios. Foi indicado ao Oscar de Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Edição, Melhor Figurino e Melhor Trilha Sonora, vencendo em Melhores Efeitos Visuais, Melhor Fotografia, Melhor Direção de Arte, Melhor Mixagem de Som e Melhor Edição de Som.
“Argo fuck yourself!!”
A última fatia dessa pizza é extremamente contemporânea e surpreende a todos com Ben Affleck atuando e dirigindo, trazendo um olhar preciso e competente sobre a política atual. Aqui, o americano reconhece seus erros na intervenção militar no Oriente Médio e, felizmente, não se perde em digressões nacionalistas ou maniqueísmo barato. Mesmo o espectador já conhecendo o final, uma vez que o filme é baseado em fatos reais, ainda consegue sentir todo o suspense que esse thriller proporciona. A história é a de uma operação sugerida por Tony Mendez para resgatar seis diplomatas americanos, refugiados na casa do embaixador canadense no Irã. A operação de Mendez aproveita o sucesso de filmes como Guerra nas Estrelas e A Batalha no Planeta dos Macacos para utilizar uma produção de Hollywood como fachada para o resgate. A ideia é criar um filme falso, a ficção científica “Argo”, que utilizaria as paisagens desérticas iranianas como locação.
Em Argo, Ben Affleck ganhou destaque como diretor, mas ele já havia dirigido dois outros filmes, Medo da Verdade e Atração Perigosa. Ele também interpreta o protagonista Tony Mendez. O elenco ainda é formado por Bryan Cranston, Alan Arkin e John Goodman. Essa mistura de metalinguagem e política rendeu altas críticas positivas e diversos prêmios. Para a Academia, a produção mereceu as indicações de Melhor Ator Coadjuvante, Melhor Trilha Sonora, Melhor Mixagem de Som e Melhor Edição de Som, vencendo em Melhor Edição, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Filme.
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