Setenta anos se passaram e aquele pequeno armário ainda a faz se lembrar dos dias com seu amante. Setenta anos e uma mobília sem vida, feita de madeira guarda muito mais do que objetos, mas memórias. Setenta anos e tanto a “tia” dos primeiros minutos de Aquarius, quanto o armário ainda lembrariam de muita coisa.
O novo filme de Kleber Mendonça Filho nos mostra que não apenas os seres humanos são marcados pelo tempo, mas também objetos. Memórias boas e ruins podem estar conectadas à rachaduras na parede, um móvel, dedicatória em um livro, um disco arranhado, não importa. O que interessa é que criam memórias até mesmo depois do dono ir embora.
Com a simpatia e brilho de Sonia Braga, conhecemos Clara, uma escritora decidida a se manter unida ao seu último pedaço do passado, isto é, seu apartamento. Com estantes repletas de livros e LPs, conhecemos um pouco mais dessa mulher madura, mas que está longe de querer ser tratada como a “vovó coitada”. Da pessoa liberal, mas atrelada a pensamentos antigos de moralidade.
Em seu início não dá para esperar nada de Aquarius, além de uma história de drama sobre uma mulher que passou por um câncer de mama. Mas aos poucos, os enredos vão mudando, personagens sendo acrescentados e uma direção muito bem pensada apresenta uma história simples, engraçada e tensa.
Talvez o que mais cative no longa é como ele possui diversas críticas sociais postas em camadas, desde o preconceito contra mulheres que fizeram uma cirurgia na mama, até a já conhecida “guerra” entre o negro pobre e o branco rico, entre o velho e o novo. “Se você gosta, é vintage. Se não gosta, é velho”, diz Clara em uma discussão com a filha.
Mesmo que a ideia principal do filme fale sobre “egoísmo” e dificuldade de deixar bens materiais para trás, ao mesmo tempo, Aquarius é sobre manter na família não apenas dinheiro e objetos, mas também ensinamentos. Transmitir para filhos, ou para quem quiser, memórias sobre si mesmo, pensamentos e o famoso “quem somos”.
No meio de tantos elogios, o que incomoda é o excesso de cenas de sexo. Analisando por outro lado, os momentos falam que mesmo que Clara seja mais velha, não precisa e nem quer negar seus desejos sexuais. Novamente tratando sobre o atual e o antigo. Mas as três cenas que tem dado o que falar beiram a um pornô por mostrar muito dos atores.
Entre cenas de sexo e uma trama simples, a montagem é o que traz a tensão à tona. Brincando com o passado e futuro, sonho e realidade, Aquarius consegue trabalhar com a expectativa, mantendo o espectador ávido por mais. Quando se percebe, já passaram duas horas.
Nesses 145 minutos, o que alivia é a trilha sonora. Com clássicos do Queen e Gilberto Gil, música e história trabalham juntos, dando maior complexidade para as cenas e contando um pouco mais da vida de Clara.
E como sendo mais um marco desse novo cinema brasileiro, o que se percebe é mais um traço de boa qualidade, mas também uma inspiração no cinema europeu, com seus “finais sem final”. Característica também presente em Mãe Só Há Uma. Agora, só se pode torcer para que Sonia Braga e Aquarius estejam presentes no Oscar.
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